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Sou síndica, sim!


Postada em 09/03/2020 às 12:15
Por Redação

Freepik

Há mais mulheres do que homens no Brasil. Isso é fato. De acordo com dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2018, a população nacional era 51,7% feminina e 48,3% masculina. Isso não quer dizer, no entanto, que as mulheres dominem todos os campos de trabalho. E na área condominial, essa realidade não é diferente.

Quando se questiona entre os profissionais do meio sobre a quantidade de mulheres síndicas, a resposta é unânime: há mais homens. Esse cenário não é diferente também daquele que encontramos nas redes sociais da revista, no qual 55% do público é masculino.

“As síndicas estão começando a ver esse mercado como um potencial. Por ser um universo originalmente masculino, o homem acaba atraindo o homem. E a mulher precisa cavar o seu espaço. Já há excelentes figuras femininas inseridas no mercado, que sabem o que estão fazendo e são competentes, mas é necessário aumentar esse número”, diz Ana Luiza Pretel, advogada especializada em Direito Condominial e referência nacional em mediação condominial. De acordo com a especialista, a mulher não deve rivalizar com o homem no mercado de trabalho. “Sempre falo que não é uma competição, não é um no lugar do outro, mas sim cada um encontrando o seu espaço.”

Para a Catia Ventura, diretora da área de síndicos da Abaasp (Associação Brasileira de Assistência a Administradoras e Síndicos Profissionais), além de ter que lutar para ter a sua própria vitrine, a mulher ainda dá de cara com a falta de união dentro do universo feminino no setor. “Temos exatamente a mesma capacidade dos homens, mas não somos unidas. A mulher vê outra na mesma profissão como rival e não como uma colega de trabalho. Já fui, por exemplo, em uma assembleia para escolha de síndico onde havia eu, mais uma mulher e dois homens. Assim que cheguei a mulher mal me cumprimentou e logo perguntou se era eu a concorrente dela.”

Com todos esses entraves para ingressar no mundo condominial, é essencial que a síndica esteja preparada, informada e atualizada em relação a tudo aquilo que compete a esse setor, como legislação, regimento interno, convenção e gestão de pessoas.

“O olhar feminino no gerenciamento do condomínio é muito importante e até diferenciado em alguns aspectos. O homem geralmente mantém uma distância maior. A mulher, talvez pelo próprio instinto de maternidade, tem um olhar mais cuidador, uma delicadeza a mais em tratar os mais diversos assuntos e conflitos dentro do condomínio. É uma percepção diferente da deles”, opina Ana Pretel.

O presidente da Conasi (Confederação Nacional dos Síndicos), Sérgio Craveiro, também acredita que a síndica traz consigo para a gestão algumas características naturais do comportamento feminino. “Elas são muito mais pacientes para resolver os problemas. Não agem de bate e pronto, ou seja, raciocinam antes para poder fazer a atividade da melhor maneira possível. Isso é percebido principalmente na área de negociação de valores, de contenção de despesas e na resolução de conflitos.”

O representante da associação também vê ainda o mercado com um viés machista, onde há o predomínio do gênero masculino. “Mas é um cenário que está mudando e de forma acelerada. A sindicatura é vista como uma coisa machista, mas são poucos os condomínios que ainda têm essa cultura. Com o mercado condominial em evolução e uma crescente presença das mulheres – que estão fazendo uma excelente gestão – essa realidade vai ser mudada.”

A importância de “confiar no seu taco” – Confiar em si mesmo é uma prática primordial em qualquer situação ou profissão. Em um meio rodeado por homens, que vez ou outra, infelizmente, ainda podem se sentir superiores e discriminar a mulher, ter a convicção do seu trabalho e dos seus conhecimentos acaba se tornando ainda mais importante.

“A mulher ainda é resistente em acreditar na competência que tem. Por isso é importante se capacitar, tanto em relação ao estudo quanto ao lado emocional, e externar sua autoconfiança”, conta Catia.

Além de “confiar no seu taco”, saber o que se passa em todas as áreas do condomínio também precisa estar no checklist de qualquer síndico ou síndica. “Como moradora, jamais imaginava a quantidade de detalhes que era preciso prestar atenção dentro de um empreendimento. Saber e conhecer tudo ali dentro é primordial porque, apesar de raro, você pode ser abordada pelo morador sobre determinada situação e é bom saber responder. Outra situação é em relação aos prestadores de serviço, já que ninguém vai tentar te enganar só por conta de você ser mulher e ele supor que você não tem conhecimento em manutenção, por exemplo. Se ele tentar te enrolar, você vai conseguir provar que entende daquilo. Ou seja, é preciso pôr a mão na massa para ter argumento na hora de conversar”, afirma a representante da Abaasp.

Congresso Nacional – Em maio, a Conasi organizará o 4º Congresso Nacional de Síndicos, que será realizado nos dias 15 e 16 de maio, no Clube Associativo de Suboficiais e Sargentos da Aeronáutica de São Paulo, em Santana. Para o evento, foram selecionadas somente mulheres para palestrar.

“O que nós queremos como foco do nosso Congresso Nacional é que as mulheres passem a ser ícones da gestão condominial no Brasil. Queremos mudar esse cenário masculino, tirar essa imagem machista da administração e elevar o lado feminino para outro patamar. Escalamos mulheres extremamente competentes e inteligentes para levar informação de qualidade para o público do nosso evento”, fala Craveiro.

Para ele, a inexistência da figura feminina à frente de entidades ou associações de síndicos, é devido ao fato de, apesar de haver mulheres no mundo condominial, elas ainda não se interessam tanto pelo assunto em si. “Mas acredito seriamente que em um futuro próximo esse quadro vai mudar. Até 2022 essa realidade será um pouco mais igualitária.”

“Se fosse homem, dava conta”

Em uma nação formada por maioria feminina, chega até ser controverso dizer que as mulheres ainda sofrem preconceito e discriminação profissional. Mas são o que as síndicas – e tantas outras profissionais nas mais diferentes carreiras – enfrentam no Brasil inteiro.

Com dois anos e meio de gestão do condomínio onde mora há 27 anos em São Paulo, a síndica Keila da Silva Oliveira já sentiu na pele ofensas de morador. “Aconteceu um caso de entupimento na caixa central de esgoto e falei para o condômino aguardar a empresa chegar. Ele então começou a gritar comigo, dizendo que outro síndico homem ou ele mesmo poderiam resolver o problema melhor se estivessem no meu lugar. Outros moradores ouviram a discussão e agiram ao meu favor.”

Por sofrer problemas assim e também com prestadores de serviço, que em sua maioria são homens, Keila se muniu de todo o tipo conteúdo relacionado ao universo condominial. “Recorri a vídeos e informações na internet sobre manutenção preventiva, problemas no telhado, bomba, rede elétrica, ou seja, assuntos pertinentes ao meu trabalho no condomínio, mas que estão majoritariamente no mundo masculino. No começo passei muitas dificuldades com prestadores de serviços, que passavam dados e preços errados e que, por fata de conhecimento, não sabia debater. Hoje já adquiri alguma experiência, mas mesmo assim, pesquiso muito antes de fechar qualquer negociação”, conta.

Catia, que além de ser diretora da Abaasp administra outros três condomínios na Grande São Paulo, também já passou por um caso parecido em um residencial com 920 unidades. “Um dos moradores levantou a voz para cima de mim, achando que ia me intimidar e o enfrentei de igual para igual, mas com educação. Depois, em uma das confraternizações do condomínio no qual meu marido estava, esse mesmo condômino foi cumprimenta-lo e disse que ele tinha uma mulher ‘zica’. Acredito e espero que ele, assim como todos os outros homens, tenha entendido, de uma vez por todas, que mulher não é o sexo frágil”, finaliza.

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