Coluna de Marcio Rachkorsky

A evolução e os chatos de plantão


Postada em 05/11/2019 às 10:28
Por Marcio Rachkorsky*

Divulgação

Condomínios são organismos vivos, estruturas complexas e dinâmicas, onde vivem e trabalham pessoas, famílias e, naturalmente, as transformações comportamentais e sociais refletem na forma de usar as áreas comuns, especialmente os espaços de lazer. Cada vez mais, os moradores querem serviços, comodidades e diversão, mas esbarram nos textos retrógrados e mal elaborados da lei (Código Civil) e das convenções, que impõem um frustrante engessamento e impedem a implementação das boas ideias, muitas vezes em nome da mera formalidade jurídica! Claro que as leis devem ser seguidas, mas faz-se necessária a interpretação moderna das normas, em sintonia com a função social da propriedade, usos e costumes.

Dias atrás, os moradores de um condomínio com mais de 300 apartamentos, construído há dez anos, debatiam a inutilidade de um espaço chamado “mini golf”, talvez jamais utilizado. Um item de lazer pensado para alavancar as vendas, fazendo parecer ser “chic”. Surgiram, na reunião, ótimas ideias para o uso efetivo do espaço, como área para passear com cachorros e pracinha de convivência. Logo, um morador, o chato de plantão, sacou de sua pastinha a convenção e o Código Civil e alertou que mudanças na destinação de áreas ou do projeto dependem do voto favorável de todos os proprietários. Curioso, pois ele mesmo disse que jamais usara a tal pista de golfe, mas que estava ali para alertar sobre os riscos jurídicos que tal medida traria. Foi um banho de água fria.

A questão central reside na forma de aplicação das normas, eis que a letra fria e pesada da lei há de ser interpretada levando em conta o real anseio dos moradores, em consonância com o bom senso e princípios que norteiam a vida em comunidade. Afinal de contas, mudar uma área de lazer sem utilização para uma nova área de lazer não pode e não deve ser considerado como mudança de destinação ou de projeto, mas sim mera adequação às necessidades dos usuários. Fundamental que administradores de condomínios e advogados sejam um pouco mais arrojados em seus pareceres, de forma a possibilitar transformações positivas nos empreendimentos, gerando maior utilização do espaço, interação entre os moradores e valorização do patrimônio.

Para que qualquer decisão seja revestida de boa segurança jurídica, especialmente quando o tema esbarrar em discussão sobre alteração ou não de destinação de área comum, é importante o amplo debate em assembleia, a criação de comissão especial de moradores para estudos e a realização de uma enquete com os condôminos para suprir o baixo quórum nas assembleias gerais.

 

*Márcio Rachkorsky é advogado especialista em condomínios e colunista da Revista Área Comum

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